domingo, 25 de outubro de 2009

Entrevista com José Campos de Sousa - O Cantautor Nacionalista



José Campos e Sousa Nasceu em Lisboa, no dia 25 de Maio de 1947 Foi membro fundador da Banda do Casaco, É fundador do grupo In Nomine[com Manuela Telles da Gama, Filipa Galvão Telles e António Moreira da Silva](Quando o Fado é Oração -Missa em Fado, músicas da sua autoria e textos da Missa católica) editado pela BMG em 1995.


-Caro Campos e Sousa, « Rodrigamente Cantando» é o seu último trabalho publicado. Uma homenagem ao bardo dos nossos dias e do Nosso Portugal — o nosso muito Rodrigo Emílio. Euterpes coroando Apolo. Pode ser esta a leitura da homenagem?


Euterpes é a Musa da Poesia. Nunca me entenderia no feminino. Também não vejo o Rodrigo a gostar da comparação com Apolo…


-Em toda a sua carreira musical (após a « Banda do Casaco») , o Rodrigo nunca esteve ausente. A que ponto a eufonia e a prosódia «rodriguística» foram para si importantes? E a empatia cultural, também pesou? E a amizade?


A Amizade com o Rodrigo veio depois de ter conhecido alguma da sua poesia. Musicá-lo não é difícil, pois é ele que me dá muitas e muitas vezes, através das palavras que usa e do modo como joga com elas – o ritmo e até a melodia adequados aos seus versos.


O Rodrigo tinha também uma muito boa formação musical que estava sempre presente na sua poesia. A música fluía assim por todas as razões expostas e também por uma grande comunhão de ideias, gostos, sensibilidades, educação. Digo comunhão e não sobreposição!


-Conte-nos um pouco das noites de trabalho com o Rodrigo, à volta da famosa mesa da sala do Campos Sousa. O Rodrigo a trabalhar consigo era tão exigente como para os seus próprios poemas? E a formação pianística e musical do Rodrigo ajudava, ou não?


A mesa continua na sala e a poesia do Rodrigo continua à minha disposição. Só que até ontem eu podia também contar com o Rodrigo em pessoa . Trabalhávamos com base em poemas já feitos por ele que chegavam à nossa mesa de trabalho quase sempre depois de um jantar cá em casa…
Perante um grande poema que por causa da música tinha que ser adaptado, o Rodrigo sempre me deu carta branca. No fim sujeitava tudo ao seu critério. Ele sempre aprovou.
Quanto a exigências – tinha-mo-las os dois.


-A capa do disco apresenta-nos um jovem Rodrigo fardado, «poeta que se vestiu de soldado». O Campos e Sousa também se vestiu de soldado. A sua Cruz de Guerra atesta o valor da dádiva à Pátria. Esta comunhão de combatentes foi importante para o vosso entrosamento? E o exílio que ambos sofreram?


Houve uma razão muito especial para eu querer aquela fotografia do Rodrigo na capa do CD. Em boa verdade, até mais do que uma! A explicação imediata poderão lê-la no desdobrável que acompanha o disco e que contém todos os poemas e textos por mim utilizados.


A outra razão tem que ver com o facto de eu ter conhecido o Rodrigo através dos seus textos e poemas publicados na antologia por ele preparada «Vestiram-se os Poetas de Soldados». O Rodrigo sempre foi as duas coisas, poeta e soldado. Uma das imagens que guardo dele é dos dias 10 de Junho, junto ao Monumento aos Mortos pela Pátria na Guerra do Ultramar: o Rodrigo com a boina castanha do exército (que nós usamos na qualidade de antigos combatentes) e com a sua produção poética bem junto à barriga, segura por um dos braços – um Luís de Camões a salvar os Lusíadas … Ele nunca, mas nunca se separava dos seus poemas.


-Insisto. A fotografia escolhida por si e pelo Vítor Luís para a capa não terá um significado mais profundo? Não quer ela dizer que o Rodrigo foi sempre o jovem, que gostava de estar no meio dos jovens, prodigalizando alegremente os seus sermões, apagando-se para que a nova geração pudesse brilhar e trilhar os seus caminhos? «Vocês são do século XXI, eu sou do século XX», dizia ele repetidas vezes…


O Vítor Luís aparece no projecto, naturalmente, e por um sem número de razões: era amigo do Rodrigo. Foi responsável por capas de alguns dos seus livros, nomeadamente pelos «Poemas de Braço ao Alto». Tem uma sensibilidade de artista e uma estética muito ao meu gosto. Tem um enorme sentido de humor. É um grande amigo meu que gosta do que eu faço (desde que eu cante nos registos baixos! – diz ele).


O Vítor Luís trabalhou militantemente nesta capa. Este CD é também dele. Gostava de mencionar igualmente os nomes de António Rangel, Bernardo Albuquerque Couto, Carlos Solano de Almeida, José de Mello Manoel e Manuel Lourenço, que também tornaram possível o CD.


-Outro factor de comunhão entre o Campos e Sousa e o Rodrigo Emílio era o vosso comum amor às culturas portuguesa e francesa. Em toda a sua música regista-se o amor e influência do fado e dos bardos de língua francesa, Reggianni, Brassens, Brel, Edith Piaf, Charles Aznavour… Também isso ajudou? E o vosso comum catolicismo e misticismo? E o casamento entre a tradição e a modernidade, tão caro ao Rodrigo?


Sou o mais novo de 4 irmãos (três raparigas). No nosso tempo, mas principalmente no das irmãs mais velhas, a grande cultura era a francesa. Os discos de música ligeira que entravam em casa eram de música francesa. Eu, do alto dos meus 8/9 anos limitava-me a ouvir. Todos nós passámos pelo Liceu Francês.
Logicamente, fui influenciado pela cultura francesa.


Na minha área sempre achei que, em termos de qualidade de texto e de interpretação, os franceses ou francófonos eram os maiores. Lembro o Férré, o Brel, o Reggianni, o Brassens — e ainda o Moustaki e o Aznavour, ligeiramente mais comerciais.


Foi esta qualidade poética e a preocupação que estes intérpretes tinham com as palavras que naturalmente transpus para a minha realidade quando aconteceu começar a editar…


Afinal, o meu gosto pelo que é bom só me tem trazido problemas de sobrevivência musical – portuguesmente falando: é este o meu Fado!


-É conhecida a sua comunhão com a poesia e os poetas. Dezenas e dezenas deles foram e são por si cantados. Considera-se um liseur e um diseur da Poesia, um trovador dos nossos dias?


Considero-me somente um apaixonado da Poesia, principalmente a portuguesa que é a que mais conheço. Sou por isso um leitor e um intérprete de poesia – ou trovador.


-A Música, o que é? Palavra ou notas musicais? Ou posto de outra forma: o que precede a criação? A música ou o poema?


Falo por mim: a música é uma forma de expressão que traduz sentimentos de todos os géneros – a música é transversal, está em todo o lado: numa estátua, num quadro, numa paisagem, num momento de amor, num momento de raiva, na dor, na escuridão, na luz, na poesia, no mar, e até no silêncio…


Com as palavras passa-se exactamente o mesmo. De todo o modo e no meu caso pessoal, acho as palavras mais importantes do que a música, pois elas são a minha fonte de inspiração.


Vários cantores (ou cançonetistas) afirmam veementemente que a língua portuguesa não «serve para cantar», por isso optam pelos inglesismos. No entanto Portugal tem um repositório de extraordinários poetas em quantidade e qualidade nada despicientes. A sua «arma» é a língua. A prosódia da língua portuguesa é real?


Também sou adepto dos inglesismos, e dos francesismos, e dos espanholismos, e dos italianismos, desde que bons.


Dizer que a língua portuguesa «não serve para cantar» é quase um crime de lesa pátria , revelador de um total desconhecimento.


Felizmente temos em Portugal muita gente a cantar boa poesia portuguesa.


-Falemos agora da sua carreira. O Campos e Sousa é um inovador. Trouxe para o fado o violoncelo, o contrabaixo, os bardos franceses. Trouxe agora a nossa gaita de foles. No seu disco «Em Pessoa», trouxe-nos a sempre juvenil e cristalina voz de Maria Germana Tânger. Porquê esta tão apaixonante e apaixonada busca de outros sons, outros caminhos? Hoje muitos o imitam e esquecem o inovador. Sente-se injustiçado?


Nem por sombras me considero um inovador. Violoncelos, flautas, oboés, pianos, etc., fazem parte dos meus gostos musicais – muito influenciados pela música dita clássica que ouvia em minha casa – nesse tempo em que não havia televisão. Ou seja, até aos meus 14/15 anos, no tempo da minha avó Manuela, pianista excepcional.


Enfim, outros tempos…


Quanto a justiça, esta quase nunca é do nosso tempo, mas é sempre feita pelo tempo.


-A poesia, não o neguemos, é a sua inspiração. Por que quis cantar poetas nacionalistas como António Sardinha, Alfredo Pimenta, Fernando Pessoa, Couto Viana, Rodrigo Emílio — para não falar em Camões, «esse perigoso fascista»?


Gosto de Portugal. Tenho um orgulho imenso no seu passado. Vibro com os feitos dos seus heróis. Pasmo com a aventura dos descobrimentos.


Claro que o meu percurso de compositor/intérprete tem que passar por esses poetas. A lista está felizmente muito incompleta.


-No «Navio Feiticeiro», de Alfredo Pimenta, é feita uma interrogação ao mar, ao homem português, ou melhor, ao Eu Nacional? Por que escolheu esse poema?


Muito mais do que uma interrogação, o «Navio Feiticeiro» de Alfredo Pimenta é uma constatação.
Um quadro desolador, na altura em que o poeta fez o poema.


Um quadro desolador, muitos e muitos anos depois, na altura em que o compositor o musicou.
Fica uma réstea de esperança que nos põe sempre a nós, portugueses, sentados na praia «à espera de um navio que uma tarde há-de chegar».


É bom pela esperança. É mau pelo conformismo.


Este poema, aliás, chegou-me pela mão do Rodrigo Emílio, que me propôs que o musicasse e interpretasse numa sessão comemorativa, salvo erro no centenário do nascimento de Alfredo Pimenta.


-O «Mar Português», de Fernando Pessoa, que você compôs com arranjos para orquestra e coro, é um momento musical único. Que nos pode dizer sobre esta peça musical?


Infelizmente nunca tive a oportunidade de ouvir a versão do «Mar Português», tal como descrita nesta pergunta.


Quanto ao poema, o facto de o ter musicado fala por si. É um dos momentos altos da «Mensagem», onde se glorifica, não determinado herói, mas todo um povo anónimo, que batalhou, que sofreu, que matou, que morreu, que chorou, que rezou «para que fosses nosso, ó mar» ou, como eu canto em crioulo: «Pa bu ser di nôs, ó mar».


Este poema, que vesti com a minha música, é de facto um dos momentos altos da «Mensagem».


-Cantou também João Conde Veiga (curiosamente falecido no mesmo dia do Rodrigo, e com poucas horas de diferença), Miguel Torga, Diogo Pacheco de Amorim, António Nobre, Branca de Gonta Colaço, António Tinoco, Vasco Teles da Gama, Vasco Graça Moura, Fernando Tavares Rodrigues, Cesário Verde, e tantos outros. Mas também o sublime l’italien. E Brasillach. É uma plêiade de autores. Quais foram as razões?
Então e o David Mourão Ferreira? Então e o Pedro Homem de Mello? Então e o Dinis Diogo, responsável pela minha «Fonte do Tempo»?


Esta coisa de falar em nomes é ingrata pois fica sempre alguém de fora.


Posso dar mil e uma razões para ter musicado cada um destes poetas. Mas existem efectivamente denominadores comuns: todos escrevem bem. Todos têm de algum modo a ver com a minha sensibilidade, seja no amor a Deus, seja no amor à Pátria, seja no amor ao Rei, seja no amor ao amor. Sendo que alguns acumulam mesmo vários destes amores.


Já que falamos no João Conde Veiga, posso dizer-lhe que a primeira vez que o li foi em Moçambique, em plena comissão de serviço militar. «Não fugi à guerra, não fui p’ra Paris, não fugi da terra, não traí o povo – eu fui ao combate debaixo do sol. E voltei de novo….»


Este poema lido na altura certa, e no sítio certo, tornou as minhas certezas ainda mais certas e ajudou-me a passar 30 meses de Império.
Paz à sua alma!


Quanto a Brasillach e aos seus «Poémes de Fresnes» fiquei apaixonado pelo dramatismo de toda a situação – pela grandeza do homem perante a morte e fiquei revoltado por terem fuzilado um poeta.


O «L’Italien» vem-me dos meus amores de juventude pela música francesa e também pela voz de Reggianni.
Nunca cantou poetas como o Goulart Nogueira, Herberto Helder, Ezra Pound, António Navarro, Amândio César…


É verdade, nunca os cantei. Sinto alguma mágoa, principalmente em relação ao Goulart Nogueira. Estou à espera de uma compilação feita pelo Rodrigo e pelo Luís António Serra para fazer um pouco de justiça ao poeta.


-Há na sua obra duas influências fundamentais: o Fado e a música francesa. Já nos disse porquê, mas eu insisto: por que persiste nessas referências que parecem estar fora de moda?


Pois! É absolutamente natural que o fado faça parte do meu universo musical. Além de português, nasci em Lisboa. Não sou um fadista. Gosto do fado. Acho que o fado é acima de tudo um sentimento, um estado de espírito e uma filosofia de vida. E não é fadista quem quer.


O fado não encerra um estilo musical definido. Quando dizem que o fado tem regras, discordo, se essas regras querem dizer espartilhos.


Quanto à importância da cultura francesa e pelo facto de ainda hoje ela se fazer sentir no meu trabalho, posso dizer-lhe várias coisas. É certo que nos tempos que vão correndo tudo é muito mais anglo-saxónico-americano – parece um endereço de email , mas não é – estamos na época do fastfood , a comida de plástico a que os próprios americanos chamam «junk food» (lixo). Hamburgers, pizzas, donuts, tudo regado com uma boa coca-cola, colheita do ano…


Se em termos gastronómicos as coisas se passam assim, em termos culturais não é diferente – fast culture, why not?!


O tempo, sempre bom conselheiro, voltará a pôr tudo em seu sítio. Mantenho assim a minha postura, que é como quem diz: mantenho as minhas raízes, muito portuguesas.


-Concorda com a ideia por alguns expendida de que o fado e a balada francesa têm em comum uma base trovadoresca e não somente árabe ou berbere?


Nada nasce de geração espontânea. O que aparece hoje é sempre fruto do que houve ontem, mesmo que pareça completamente inovador. Sim, existe uma base árabe no fado. Sim, há uma componente trovadoresca. E felizmente até aos dias de hoje não nos ficámos por aqui.


O-s descobrimentos trouxeram a influência africana, a brasileira, etc., e antes disso, a celta. Será legítimo excluir os celtas das nossas raízes musicais?


E antes?… E depois?…


-Um aspecto curioso da sua obra, e julgo que único na música portuguesa, é a sua missa em fado. Um trabalho notável com direito ao silêncio e falta de reconhecimento a nível intelectual, a nível das elites e se calhar a nível popular. Quando lhe surgiu esta inovação? E o seu «Pai Nosso» para quarteto de cordas e barítono?


A Missa em fado, com-direito-ao-silêncio, é um capítulo extraordinariamente importante da minha vida musical – gostaria de o tratar isoladamente. Apenas alguma informação: o meu grupo «In Nomine», actualmente constituído pela Manuela Teles da Gama, Filipa Galvão Telles, Bernardo Albuquerque Couto e por mim, toca todos os terceiros domingos de cada mês na Igreja do Sacramento, ao Largo do Carmo, em Lisboa, às 18 horas.


Fica o convite para que, pelo menos uma vez, venham ouvir a Missa em Fado.


-Quanto ao Pai Nosso, aliás «Pater Noster», está à espera do tal barítono que o queira cantar – fica o convite…
Sendo um músico autodidacta com um sentir profundamente religioso, você canta o erotismo — o erotismo no seu esplendor em contraposição à pornografia. Foi isso que o levou a cantar as «Rendas Pretas», de Fernando Tavares Rodrigues?


Fernando Tavares Rodrigues é uma das minhas referências na poesia erótica. Outra é David Mourão Ferreira. É claro que sendo homem felizmente heterossexual – sou extremamente sensível ao feminino, e o feminino é e será eternamente fascinante: um olhar furtivo, um tom de voz, um perfume, um gesto, um ar assustado, uma lágrima, uma frase, um momento… e obviamente, umas rendas pretas…


O presidente de uma grande editora discográfica e filho de um enorme Poeta «acusa-o» de ser um autor/cantor excepcional e um péssimo gestor de carreira.


-Acho que já tinha ouvido isso em qualquer lado… Não concordo com o adjectivo de gestor . Cheira-me a mercantilismo – cheira-me a cedências e a consensos, a politicamente correcto e, por estranho que pareça, cheira-me a a água pura (incolor, insípida e inodora!).


Ainda bem que geri mal a minha carreira.


Foi graças a isso que conheci pessoalmente, entre outros (por ordem alfabética): António Manuel Couto Viana, António Marques Bessa, António Tinoco, David Mourão Ferreira, Diogo Pacheco de Amorim, Fernando Tavares Rodrigues, José Alberto Boavida (Dinis Diogo), Luís Sá Cunha, Rodrigo Emílio, Vasco Graça Moura e Vasco Teles da Gama.


A todos eles e aos outros todos devo a minha música.


-E não podíamos terminar sem voltar ao nosso Rodrigo Emílio. Para onde quer que me volto só ouço amigos a dizerem: «o Rodrigo faz-me muita falta». Passa-se o mesmo consigo?


Sim. Faz-me falta. Mas consigo ultrapassar isso… Por exemplo, nestes últimos seis meses, grande parte da minha vida musical foi canalizada para o «Rodrigamente Cantando». Fiquei a conhecer ainda melhor o Rodrigo Emílio, conhecendo ainda melhor a Tera, sua Mulher, os filhos Constança, Gonçalo e Rodrigo, a sua Mãe Margarida e as duas irmãs. É uma maneira de estar com ele.


Para todos os que lhe sentem a falta tenho um conselho: LEIAM-NO!


-Última pergunta: o Rodrigo adorava o «L’ éxilé» de Reggianni. Ouvia-o sempre no mais respeitoso silêncio. Apesar de dizer que não era náufrago de um tempo passado. No entanto o Campos e Sousa nunca o cantou. Porquê?


Não me lembro de ter ouvido «L’Éxilé» de Reggianni. Mea culpa. É uma falha que rapidamente resolverei pois tenho toda a
sua obra discográfica.

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